segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Régis Bonvicino

Canção (I)

Corpo impreciso
gengiva se
retraindo
por exemplo

este sapato
de vênus
cabeça de inverno
cada vez mais

cansaço íntimo
de metais
& vida,
ao menos, oscila

entre o degredo
de si
vidros se deitam
agora comigo



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Entrevista
Lido por Abu

Sá de Miranda

Desarrezoado amor, dentro em meu peito,
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.

Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.

Doutra parte, a Razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; enfim vem o seu dia:

Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata treições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?







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Obras digitalizadas
Comigo me desavim

Félix de Athayde

Poeta IV

Fazer
um poema
como se desfaz
um equívoco:

tecer
uma aranha
com fios
de navalha

propor
outra fome
para
o homem

fazer um tempo
noutro tempo
por exemplo.

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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Torquato Neto

muito bem, meu amor
muito mal
meu amor
o bem o mal
estão além do medo
e não há nada igual
o bem e o mal sem segredo
as marchas do carnaval
muito mal, meu amor
muito bem

nem vem com não tem
que tem
tem de ter
na praça da capital
muito mal
meu amor
tudo igual
nada igual ao bem e o mal
2 (experimente é legal)
eu creio que existe o bem e o mal
mas não há nada igual
e tudo tem mel e tem sal

julho/71


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Música & poesia

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Joan Brossa

Na hora

Passam dois táxis. Um
traz a indicação <<Libre-Livre>>,
o outro <<Livre-Libre>>.
Escolho o segundo.

(Trad. Ronald Polito)


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Nuno Júdice

Génese

Todo poema começa de manhã, com o sol. Mesmo
que o poema não esteja à vista (isto é céu de chuva)
o poema é o que explica tudo, o que dá luz
à terra, ao céu, e com nuvens à mistura - a luz incomoda
quando é excessiva. Depois, o poema sobe
com as névoas que o dia arrasta; mete-se pelas copas das
árvores, canta com os pássaros e corre com os ribeiros
que vêm não se sabe de onde e vão para onde
não se sabe. O poema conta como tudo é feito:
menos ele próprio, que começa por um acaso cinzento,
como esta manhã, e acaba, também por acaso,
com o sol a querer romper.

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domingo, 22 de julho de 2012

Olegário Mariano

O boi

                                     (Carducci)


Amo-te, ó pio boi! Um sentimento
De vigor e de paz tu me ofereces
Quando, impassível como um monumento,
O olhar nos campos verdes adormeces.

Preso à canga, momento por momento,
Mais útil e paciente me pareces:
O homem te ordena e tu no macilento
Volver dos olhos tristes, lhe obedeces.

Pela tua narina escra e fria
Teu espírito passa e é um hino ardente
Teu mugido cortado de agonia.

E em teu olhar que pelo azul se perde,
Se esconde longa e dolorosamente
Verde a planura do silêncio verde.




sábado, 21 de julho de 2012

Anna Akhmátova

Eu perguntei ao cuco
quantos anos viveria...
O topo do pinheiro estremeceu,
o sol banhou a relva de dourado,
mas som algum perturbou a clareira...
Voltei então para casa.
A brisa fresca acariciava
a minha fronte escaldante.


1/6/1919
Tsárskoie Seló


(Trad. Lauro Machado Coelho)


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Livro dos Cantares I (She Keng)

O vestido verde

1. É cor verde o meu vestido,
    Verde com forro amarelo.
    O mal que tenho sentido,
    Se eu pudesse vê-lo findo!

2. É cor verde o meu vestido
    Verde com roda amarela.
    Está mágoa em que hei vivido,
    Pudesse enfim esquecê-la!

3. De seda verde somente:
    Tu mesmo assim o quisesse.
    Recordo de antanho a gente,
    P'ra o mal afastar de mim.

4. Fino ou grosseiro o tecido,
    Dá frio, quando faz vento.
    Nos antigos co'o sentido,
    E já me não apoquento.

(Trad. Joaquim A. Guerra, S.J.)

Info

Adélia Prado

Para comer depois

Na minha cidade, nos domingos de tarde,
as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.
Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,
a campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:
'Eh bobagem!'
Daqui a muito progresso tecno-ilógico,
quando for impossível detectar o domingo
pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,
em meu país de memória e sentimento,
basta fechar os olhos:
é domingo, é domingo, é domingo.


quinta-feira, 21 de junho de 2012

Ruy Espinheira Filho

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2QG-hlX4P_3LiEIFPeOoKiudBFUKVvEM73C5sUinrkCn0BCkI02OL20HiPebT3jwYamFSO58objJJdIWMtQT6ZxBNK0BdBsJ25UEUtujXtdj0DjCFrEEcT9H3Nxe7eyHMLd49JHOwj-93/s400/ruy02.jpgO que ler no poema
                       a Jacinto Prisco

O elfo insubmisso
em seu Grifo embruxado;
Pégaso nascendo

entre meninos cegos;

o vento soprando
janelas demolidas,
regendo uma orquestra

que ficou no mar;

o pássaro Sempre
inscrito no peito;
as tranças desfeitas

nos ombros curvados;

Lysis, a estrela,
ungindo a súplica
além da palavra;

a fonte secreta

perdida em si mesma,
como se perde a
areia na areia.



Entrevista

Na academia

Biblioteca

quarta-feira, 16 de maio de 2012

John Keats

Sonnet

When I have fears that I may cease to be
   Before my pen has glean'd my teeming brain,
Before high-piled books, in charactery,
   Hold like rich garners the full ripen'd grain;
When I behold, upon the night's starr'd face,
   Huge cloudy symbols of a high romance,
And think that I may never live to trace
  Their shadows, with the magic hand of chance;
And when I feel, fair creature of an hour, 
  That I shall never look upon thee more,
Never have relish in the faery power
  Of unreflecting love; --- then on the shore
Of the wide world I stand alone, and think
Till love and fame to nothingness do sink.

Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos:

Se tenho medo

Se tenho medo de meus dias terminar
  Antes de a pena me aliviar o espírito, antes
De muito livro, em alta pilha, me encerrar
  Os grãos maduros como em silos transbordantes;
Se vejo, nas feições da noite constelar,
  Enormes símbolos nublados de um romance
E penso que não viverei para copiar
  As suas sombras com a mão maga de um relance;
Quando sinto que nunca mais hei de te ver,
  Formosa criatura de um momento ideal!
Nem hei de saborear o mítico poder
  Do amor irrefletido! - então no litoral
Do vasto mundo eu fico só, a meditar,
Até ir Fama e Amor no nada naufragar.





domingo, 15 de abril de 2012

Adalgisa Nery

Metrotone Adalgisa Nery

Saem de mim mundos distantes, diferentes, sem limite, sem o
                                             [tempo contado pelos homens.
Os espíritos da madrugada fogem dos meus olhos
E vêm mulheres que concebem gêmeos, bocas nas raízes dos
               [vegetais e minerais aumentando na crosta da terra.
O choque do adolescente que vê pela primeira vez um seio de
                                                                                [mulher,
Ouve o grito dos sentidos e sente a nostalgia do Paraíso.
O homem concebido no ventre da mulher
Já entra em luta com o que está no ventre da terra.
Ódios passeiam nas gerações.
Mãos que deviam abençoar carregam fuzis.
A vida está pendurada nos meus olhos.
Minha cabeça está solta do meu corpo e recolhe o Universo.

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Metrotone