terça-feira, 15 de outubro de 2013

Mário de Andrade



Momento (Abril de 1937)

O vento corta os seres pelo meio.
Só um desejo de nitidez ampara o mundo...
Faz sol. Fez chuva. E a ventania
Esparrama os trombones das nuvens no azul.

Ninguém chega a ser um nesta cidade,
As pombas se agarram nos arranhacéus, faz chuva.
Faz frio. E faz angústia... É este vento violento
Que arrebenta dos grotões da terra humana
Exigindo céu, paz e alguma primavera.

sábado, 24 de agosto de 2013

Manuel Botelho de Oliveira

Persuade a Anarda que ame


Anarda vê na estrela, que em piedoso
          Vital influxo move amor querido,
           Adverte no jasmim, que embranquecido
           Cândida fé publica de amoroso.

Considera no Sol, que luminoso
          Ama o jardim de flores guarnecido;
          Na rosa adverte, que em coral florido
          De Vênus veste o nácar lastimoso.

Anarda pois, não queiras arrogante
          Com desdém singular de rigorosa
          As armas desprezar do deus triunfante:

Como de amor te livras poderosa,
         Se em teu gesto florido e rutilante
         És estrela, és jasmim, és sol, és rosa?







sábado, 16 de março de 2013

Ana Hatherly

A ausência


Oh como te ex-amo
como tudo se torna direção imprecisa

É uma coisa terrível
tudo ser tão evidente
no seu vazio
           controverso
                     verso

Seta por dentro
a onda vive de perfil o seu ex-ato
imprecisando as criaturas

Oh como o eu-outro aflora culminando
falo contigo
mas é um outro que contigo fala
um outro
que ex-amadamente arde ainda

Não vês a curva da parábola?

A face do amor é ausência de rosto.




Entrevista


Bio

Lélia Coelho Frota

Princípio

A morta abriu o dia radioso
com a cortina da sua desdedida.
Partiu no meio os cabelos vagarosos
escorrendo ainda de lembranças,
vestiu o vestido precioso
e saiu à procura, sôfrega,
de outras tantas,
                             verdadeiras vidas.



A arte popular

Mais

Toda a poesia 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Virgílio

Trecho da II Bucólica










Córidon, o pastor, ardia pelo belo Aléxis,
delícias de seu dono, mas não tinha o que esperar.
Apenas frenquentava as faias densas, de sombrias
copas, junto das quais lançava aos montes e florestas,
com vã paixão, sozinho, estes lamentos mal cuidados:

“Não prestas atenção, cruel Aléxis, nos meus cantos?
Não tens pena de nós? Assim acabarei morrendo.
Agora até os rebanhos buscam o frescor e as sombras;
agora escondem-se nas sarças os lagartos verdes,
e, para os ceifadores que o calor esfalfa, Téstilis
ervas de cheiro ativo esmaga com serpilho e alho.
Contudo, enquanto os rastros eu te sigo ao sol ardente,
soam comigo os arvoredos, roucos de cigarras.
Não seria melhor sofrer as iras aflitivas
e os soberbos desprezos de Amarílis? ou Menalcas,
moreno embora seja ele, quando tu és alvo?
Não te fies demais nas cores, ó menino belo:
caem as brancas alfenas, colhem-se os murtinhos negros.
Tu me desprezas, nem indagas quem sou eu, Aléxis,
quantos rebanhos tenho, quanto leite cor de neve;
erram nos montes da Sicília as minhas mil cordeiras;
não me falta no estio leite fresco, nem no inverno;
eu canto o que cantava habitualmente Anfião de Dirce
no ático Aracinto, se chamava os seus rebanhos.
E não sou feio assim: vi-me na praia, há pouco tempo,
com o mar tranquilo sob o vento: não receio Dáfnis,
sendo tu mesmo o juiz, se não enganam as imagens.



(Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos)


Outra tradução

Tradução de Odorico Mendes

sábado, 9 de março de 2013

Menotti del Picchia

Lirismo

E todas as corolas
que se haviam fechado como narinas sensíveis
ao cheiro do dia
- cheiro de gás queimado, cheiro da turba suada -
abrem-se e põem-se a exalar loucos perfumes na noite.
E o guarda-noturno embriagado pelo aroma
tem uma crise lírica
e tenta tocar uma valsa com o apito.


ABL

Alguns poemas

José Paulo Moreira da Fonseca

O menino atropelado

A Anne Waltzdorf

Era negro o menino
morto sobre o negrume do asfalto.
Seu ombro sangrava
colorindo o brim desfeito pelos metais,
um ombro magro, uma coisa indefesa,
uma coisa mínima, e era toda a melancolia da terra:
os castigos, fardos, humilhaçãoes, a fome.

Era um pequeno ser
ali presente ao fim do mundo.

E nada havia a dizer,
a frase se guardava presa nos músculos da garganta,
próxima, urgente, desconhecida...
Só aquele menino soube gritá-la
entre a borracha e as ferragens,
e talvez nem tenha sido um grito, nem mesmo um som,
e em vão a sofrida imagem de seu corpo
tentava murmurá-la em nossos olhos baços,
sem fúria, sem lágrimas, triste como um remorso.





O pintor poeta

No blog do Noblat

Bio