sábado, 16 de março de 2013

Ana Hatherly

A ausência


Oh como te ex-amo
como tudo se torna direção imprecisa

É uma coisa terrível
tudo ser tão evidente
no seu vazio
           controverso
                     verso

Seta por dentro
a onda vive de perfil o seu ex-ato
imprecisando as criaturas

Oh como o eu-outro aflora culminando
falo contigo
mas é um outro que contigo fala
um outro
que ex-amadamente arde ainda

Não vês a curva da parábola?

A face do amor é ausência de rosto.




Entrevista


Bio

Lélia Coelho Frota

Princípio

A morta abriu o dia radioso
com a cortina da sua desdedida.
Partiu no meio os cabelos vagarosos
escorrendo ainda de lembranças,
vestiu o vestido precioso
e saiu à procura, sôfrega,
de outras tantas,
                             verdadeiras vidas.



A arte popular

Mais

Toda a poesia 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Virgílio

Trecho da II Bucólica










Córidon, o pastor, ardia pelo belo Aléxis,
delícias de seu dono, mas não tinha o que esperar.
Apenas frenquentava as faias densas, de sombrias
copas, junto das quais lançava aos montes e florestas,
com vã paixão, sozinho, estes lamentos mal cuidados:

“Não prestas atenção, cruel Aléxis, nos meus cantos?
Não tens pena de nós? Assim acabarei morrendo.
Agora até os rebanhos buscam o frescor e as sombras;
agora escondem-se nas sarças os lagartos verdes,
e, para os ceifadores que o calor esfalfa, Téstilis
ervas de cheiro ativo esmaga com serpilho e alho.
Contudo, enquanto os rastros eu te sigo ao sol ardente,
soam comigo os arvoredos, roucos de cigarras.
Não seria melhor sofrer as iras aflitivas
e os soberbos desprezos de Amarílis? ou Menalcas,
moreno embora seja ele, quando tu és alvo?
Não te fies demais nas cores, ó menino belo:
caem as brancas alfenas, colhem-se os murtinhos negros.
Tu me desprezas, nem indagas quem sou eu, Aléxis,
quantos rebanhos tenho, quanto leite cor de neve;
erram nos montes da Sicília as minhas mil cordeiras;
não me falta no estio leite fresco, nem no inverno;
eu canto o que cantava habitualmente Anfião de Dirce
no ático Aracinto, se chamava os seus rebanhos.
E não sou feio assim: vi-me na praia, há pouco tempo,
com o mar tranquilo sob o vento: não receio Dáfnis,
sendo tu mesmo o juiz, se não enganam as imagens.



(Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos)


Outra tradução

Tradução de Odorico Mendes

sábado, 9 de março de 2013

Menotti del Picchia

Lirismo

E todas as corolas
que se haviam fechado como narinas sensíveis
ao cheiro do dia
- cheiro de gás queimado, cheiro da turba suada -
abrem-se e põem-se a exalar loucos perfumes na noite.
E o guarda-noturno embriagado pelo aroma
tem uma crise lírica
e tenta tocar uma valsa com o apito.


ABL

Alguns poemas

José Paulo Moreira da Fonseca

O menino atropelado

A Anne Waltzdorf

Era negro o menino
morto sobre o negrume do asfalto.
Seu ombro sangrava
colorindo o brim desfeito pelos metais,
um ombro magro, uma coisa indefesa,
uma coisa mínima, e era toda a melancolia da terra:
os castigos, fardos, humilhaçãoes, a fome.

Era um pequeno ser
ali presente ao fim do mundo.

E nada havia a dizer,
a frase se guardava presa nos músculos da garganta,
próxima, urgente, desconhecida...
Só aquele menino soube gritá-la
entre a borracha e as ferragens,
e talvez nem tenha sido um grito, nem mesmo um som,
e em vão a sofrida imagem de seu corpo
tentava murmurá-la em nossos olhos baços,
sem fúria, sem lágrimas, triste como um remorso.





O pintor poeta

No blog do Noblat

Bio